terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Bela História da Menina-Vento


(imagem de Gaelle Boysonnard)



Era uma vez uma menina que queria voar como o vento.

Ela não queria simplesmente voar com o vento, ela queria ser o vento.
Um vento manso desses que levanta as saias das moças nas tardes de outono, e que balança as roupas no varal, de mansinho, sem presa de secar.

Ah! A menina daria tudo na vida para se transformar no vento!
Era um sonho impossível, ela sabia.

Mas o que podia fazer?
Ela sonhava todos os dias com isso, e de tanto que sonhava, passava os dias dando suspiros sem fim.

Quando a mãe lhe perguntava o porquê de tantos suspiros, a menina disfarçava uma alegria pequena e saía rapidinho de perto da mãe.
Mas não ia muito longe não.

Dali a pouco estava suspirando de novo.

Ah! O que ela queria mesmo na vida era ser vento.
De tanto que a menina pensou no assunto, um dia ela acabou virando vento.
A menina tinha acabado de chegar da escola, quando começou a sentir que algo de diferente estava acontecendo com ela.

Um friozinho gelado, um faniquito esquisito...

O que poderia ser aquilo?

Que sensação mais ululante era aquela que parecia fazer cosquinha no umbigo e descia até as pernas, e subia até a cabeça, novamente, sem parar, tudo de uma vez só?

Depois disso, ela foi sentindo seu corpo ficando levinho de pluma, levíssimo de pena, e antes que se desse conta, a menina foi virando vento.
A janela do seu quarto estava aberta, e foi por ali mesmo que ela saiu de fininho, de mansinho, de encontro com o ar que a recebeu, pode-se dizer assim, de braços abertos.

Embasbacada diante do ocorrido, a menina só se deu conta que era vento, quando subitamente, sentiu que acariciava suavemente as folhas de uma árvore e quando as faces cansadas das avós deslizaram brandamente em seu corpo fluído... de vento.
Que sensação boa era aquela!

Que liberdade sensacional, voar!
Se tivesse boca, sorriria.
Se tivesse braços, os abriria para receber aquela aragem amena, assim como o girassol abre sua flor para o sol.
Ou a terra recebe a chuva refrescante em sua alma quente.

A menina queria abraçar o mundo com o suave sopro que saía de dentro de si.

Feliz, ela descobriu que podia viajar, sem pagar nada! Sem atropelos, sem atrasos, sem trânsito!
Livre, livre, como... O vento!
E feita a descoberta, porque não?
Porque não viajar apenas no compasso de seus braços de ventagem e suas pernas
feitos de brisagem?

Como vento, ela podia perambular caminhos. E foi o que fez.
Refrescou operários de uma construção no centro da cidade,
Acariciou montanhas e mares,
Abrigou manhãs...

Sua felicidade era tanta que quase quis virar menina de novo só para poder cantar.
Cantar como cantam as crianças.
Sem ritmo, sem pressa, sem afinação, sem nada.
Queria simplesmente cantar, sem a intenção de agradar ninguém e nem de gravar disco.


Cantar mesmo atravessado, a todos os pulmões para quem quisesse ouvir:
-Sou o vento! Sou o vento!
Vagarosamente, a menina-vento atravessou mares-oceanos. Ela não tinha pressa de chegar.

Os humanos tinham uma pressa sem igual, mas ela não.
Ela era natureza. Era uma Menina-Vento.
E Menina-Vento não tem pressa.

Venta para onde bem entende, quando bem entende e com quem bem entende.
É dona do seu nariz. Ou melhor, da sua ventalora.
Para a menina, ser vento era alcançar a plenitude. Ser completa.
Mas mesmo sendo vento, em suas viagens pelos mundos, a menina não perdeu a mania que toda criança tem: De brincar.


A menina-vento brincou com velas brancas dos veleiros que entraram na roda e lançavam-se à frente, retribuindo sua ternura inesperada.
A Menina–Vento levantou espuma no mar.

Cacheou a nuvem, fez firula.
-Como é bom ser vento!
-Que gostoso ventar assim!
Dessa maneira a menina foi do Oiapoque a Chuí, de Bangladesh e Austrália.
Foi do Alasca a Terra do Fogo.

Ventou para todos os lados.

Ventando, soprando, ventando, soprando, ventando, soprando...

Lá pelos lados do Japão, foi que o inesperado aconteceu.

A Menina-Vento, vinha de brisa leve, de mansinho, para não atrapalhar ninguém, vinha na sua, naquele ventinho fraquinho, naquela brisa fresquinha, naquele soprinho refrescante, quando de repente, deparou-se frente a frente, com um ventão daqueles. Ela logo ficou aflita.

Sua parte menina pensou rápido:
-É furacão!
-É vendaval!
-Se segura, que é tufão!

E era mesmo!
Um furacão desses bem fortões que destroem casas e sonhos.
Que destroem plantações e trazem angústia e medo aos corações. Principalmente
das crianças, coitadinhas!

A menina-vento, como era um ventinho á toa, sem importância, não entendia de onde saía aquele ventão tão grandão...

Ventando para lá e para cá à mercê do ventão, sua parte vento, entendeu o furacão.
O Furacão também era parte da natureza, só que carrega dentro de si uma pressa imensa, mas ele não tem culpa disso, não. Ele é mal humorado assim mesmo. É coisa de família.

Quem sabe, se o furacão tirasse umas férias, ele não se acalmava? Ou quem sabe um chazinho da vovó não ajudava?

Ou também quem sabe, o homem, tomasse vergonha na cara, e deixasse de destruir o planeta, e assim todo mundo, ficava livre do mau humor das intempéries naturais, destruidora de coisas dos outros?

Mas naquele momento não havia nada a fazer.
A não ser ficar a mercê da fúria do furacão furioso.
Depois de alguns minutos, rodopiando sem parar, a menina-vento pensou que voltaria a ser menina com todo prazer.

Queria estar na segurança do seu lar, nos braços quentinhos de sua mãe, vendo televisão e comendo pipoca doce.
Mas não.

Lá estava ela, nos Cafundós do Judas, dentro do olho de um furacão!

Cansada de lutar, ela deixou-se levar igual folha seca, até que o furacão com sua força a empurrou para o oceano.

A Menina-Vento, não pensou duas vezes: Tomou o rumo de casa.

América do sul: Aí vou eu!
Vou m’embora para minha terra de palmeiras e sabiás.
Iria cantante, se pudesse cantar, saltitante se pudesse pular.
Mas já que não podia, ia voando mesmo!

Ventando, soprando, ventando, soprando, ventando, soprando.
Foi parar na sua casa.

Entrou pela janela, feito brisa mansa, brincou com as cortinas da sala e rodopiou entre as pernas da mãe, que deu uma gargalhada gostosa.

-Ai! Como é bom ser vento! Mas com certeza é muito melhor ser menina!- pensou ela.

De repente um cheirinho bem conhecido encheu a casa: Pipoca doce.

Delícia deliciosa! Existe coisa mais gostosa no mundo que pipoca doce?
Nessa altura do campeonato tudo o que a Menina-Vento mais queria na vida era se tornar menina novamente.

E poder comer pipoca,
Brincar de boneca,
Ler um livro,
Ir ao cinema,
Conversar com a Letícia, sua melhor amiga.
Menina-Vento, infelizmente só podia ventar.
Depois de ver, ou melhor, sentir tantas sensações maravilhosas, outras horripilantes
como estar no olho do furacão, ela rezava para virar menina outra vez!

De repente, seu corpo foi ficando pesado, e uma voz foi penetrando fundo na sua mente.
-Clara! Clara! Acorde filha! Você dormiu lendo o livro. - falou a mãe com ternura.
Clara levantou meio assustada. Olhou para seus braços.
Pernas.
Pés.
Mãos.
Tudo nos seus devidos lugares.

Tão normais, tão cheios de sardas e limitações.

Ela havia dormido! Tudo não passara de um sonho!Um lindo sonho voante!
Por um momento achou que tivesse realmente virado vento.

Ela viveu uma experiência tão incrível como no dia que andou de montanha-russa pela primeira vez.

Mas, afinal de contas, meninas não se transformam em vento, assim como as bruxas não existem, não é verdade?

Lá da cozinha, sua mãe perguntou se queria comer pipoca com leite condensado.
Clara sorriu e levantou para comer sua pipoquinha, mas sentiu seu corpo diferente.
Ela parecia leve como uma pluma, levinha como uma pena, levíssima como uma brisa suave.

E seu coração também estava diferente.
Transbordava uma alegria espaçosa, deleitosa e deliciosa.
De uma maneira ou de outra seu desejo tinha se realizado, mesmo que tivesse sido só um sonho.

Mesmo que tudo tivesse acontecido num intervalo de um cochilo à tarde.
Uma brisa suave entrou pela janela.
A menina sorriu.

Ela teve a certeza absoluta, uma certeza bem clara em seu coração que se o vento passasse mais forte, ela seria capaz de sair voando.

Vagarosamente, Clara atravessou a sala em direção à cozinha, e nem notou que seus pés mal tocavam o chão.



Gostaram da minha história? te deu também uma vontade de voar? Deu? Ahá, eu sabia que vocês eram um dos meus....

Mas voar infelizmente é só pra passarinho ou avião... Então, vamos voar na imaginação?

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